Novos cursos formam gestores culturais

Nos próximos anos, o parque cultural brasileiro será incrementado com inaugurações e ampliações de institutos e museus. Se, por um lado, o crescimento deixa otimistas os profissionais ligados a essa área, de outro preocupa em relação à maior necessidade de administradores qualificados para controlar tantos equipamentos.
A apreensão se justifica pela limitação da oferta de gestores culturais bem preparados no mercado nacional de trabalho, de acordo com dirigentes das organizações. A escassez de talentos aptos a lidar com a série de exigências inerentes à função se deve principalmente à quantidade ainda reduzida de cursos de formação.
“As universidades passaram a se preocupar com isso recentemente. Assim, somente agora começam a surgir mais pós-graduações em gestão cultural”, afirma Eduardo Saron, superintendente do Itaú Cultural. “A produção acadêmica sobre esse tema, contudo, ainda é muito baixa.”
O Centro Universitário Senac é um dos que oferecem um curso de especialização no setor, desde 2011. Trata-se de uma pós lato sensu em gestão cultural com 366 horas de aula e que está em sua quarta turma. “Cerca de 50% dos alunos já são do mercado e buscam informações para o refinamento de seu trabalho”, diz Soledad Galhardo, coordenadora do programa.
O próprio Itaú Cultural criou um curso de especialização em gestão cultural a distância, em parceria com a Cátedra Unesco Políticas Culturais e com a participação da Universidade de Girona, da Espanha. Já foram diplomados 92 profissionais – boa parte deles não atua no instituto.
No MBA Bens Culturais da FGV Management-SP, da Fundação Getulio Vargas, que até hoje formou cerca de 180 gestores, os alunos costumam ser profissionais com mais de 25 anos que possuem experiência prévia na área cultural. “Normalmente são graduados em comunicação, direito, história, ciências sociais, administração, artes visuais, artes cênicas, música, biblioteconomia e pedagogia” cita Ilana Goldstein, coordenadora da pós.
O Sesc também planeja, ainda para este semestre, uma grade de especialização em gestão cultural. Já quem busca um bacharelado pode optar pelo de produção cultural na Universidade Federal Fluminense (RJ) ou na UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Saron, do Itaú Cultural, ressalta que houve no passado uma concentração de cursos que visavam fazer projetos para a Lei Rouanet – que estimula o apoio da iniciativa privada ao setor cultural. “É um equívoco. A lei é parte de um grande ecossistema e não pode ser encarada como um fim em si mesmo. O gestor cultural tem de ter hoje uma visão múltipla, mais até que os de outros segmentos. Precisa de uma preparação específica”, diz.
Os atributos requeridos aos ocupantes do cargo passam, de fato, pelo entendimento das políticas públicas relacionadas à cultura – mas não só. Na opinião de Saron, é preciso compreender como se desenvolvem e se produzem conteúdos sob os padrões das novas mídias. “Isso associado ao aspecto jurídico da propriedade intelectual”, afirma.
No rol de habilidades desse gestor deve estar também uma “competência técnica profunda”, segundo Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc no Estado de São Paulo. Ele se refere a “conhecimentos abrangentes da cultura ocidental e da oriental, de filosofia, de história”, além da aptidão para posicionar a realidade e a formação do Brasil nesse universo.
A amplitude de requisitos fornece os argumentos de quem defende uma bagagem de estudos mais focada para o profissional e reclama da ausência de mais grades curriculares para municiá-la no país. “Ainda falta mão de obra qualificada, pois essa não é uma profissão regulamentada. As opções de formação são recentes”, afirma Ilana, da FGV.
Devido a essa lacuna, muitas vezes a saída é improvisar. “Boa parte das instituições tende a colocar no cargo funcionários que não estão devidamente preparados”, ressalta Teixeira Coelho, curador do Masp (Museu de Arte de São Paulo). Em alguns casos, os próprios gestores buscam alternativas de qualificação até mesmo no exterior. Paulo Zuben, diretor artístico-pedagógico do Santa Marcelina Cultura, diz sentir muita dificuldade em se aperfeiçoar tecnicamente no Brasil.
Assim, desde 2008, quando assumiu o posto na instituição, faz cursos de curta duração em universidades americanas como as de Harvard, Michigan, do Texas e de Nova York. “São programas de uma semana com tópicos de gestão de atividades culturais”, explica. Deles, participa um grupo de cem gestores do mundo todo, o qual passou a integrar mediante a obtenção de uma bolsa. Esses encontros de aprofundamento na área ocorrem duas vezes por ano.
Zuben afirma que há no mercado dois tipos de profissional. Um é o que parte da especialidade para a generalidade – como o cineasta que se torna diretor de um festival de cinema ou do músico que assume a direção de uma escola de música. Esse padrão corresponde à maioria. O segundo é o que faz o caminho contrário: o administrador de caráter mais generalista que sai de outro setor para comandar um instituto de cultura. Em sua opinião, tanto em uma como na outra trajetória, o segredo do trabalho bem-sucedido é equilibrar as duas facetas.
Ao analisar seu próprio currículo, o diretor do Santa Marcelina identifica certo hibridismo entre os modelos que distingue. Graduado em administração de empresas pela FGV, ele fez mestrado em semiótica e depois doutorado em artes na USP (Universidade de São Paulo).
A capacidade de liderança conta muitos pontos na hora de recrutar um gestor cultural, diz Saron. O mesmo se aplica a valores éticos muito bem constituídos. “Sob a ótica da governança com transparência, esse profissional tem de ser capaz de articular estrategicamente a organização e garantir a sustentabilidade das operações”. O planejamento financeiro, desse modo, é especialmente importante em um ramo que abarca muitas entidades sem fins lucrativos. “É necessário saber de onde vêm os recursos e agir sempre como se fossem escassos, administrando-os com atenção e cuidado”, diz Miranda, do Sesc.
Algumas organizações culturais no país têm adotado formas de gestão que se inspiram nas de empresas que objetivam lucros e uma performance bastante competitiva em relação à concorrência. É o caso do MAM, que, com o intuito de sofisticar suas diretrizes gerenciais, caçou no mercado, em 2007, um gestor habituado a se guiar por planejamentos bem definidos. Bertrando Molinari, 65, que tinha dez anos de experiência em marketing cultural no Bank Boston, foi o escolhido.
Na condição de superintendente-executivo do MAM, que é legalmente uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), Molinari, formado em engenharia e propaganda, enfatiza a disciplina orçamentária implementada no museu. “Ele é administrado à luz de um plano de negócios anual, que tem de ser seguido rigorosa e numericamente”. O cumprimento de objetivos, afirma, é checado todo mês. A política de remuneração também leva em conta o alcance de metas, com o pagamento de bônus por desempenho. A formação dos funcionários é outra prioridade. Atualmente, 42 deles são beneficiados com bolsas de estudo para cursos diversos – de idiomas, de graduação ou de especialização.
Porém, como é de praxe em empresas que atuam no campo da cultura, o intangível – ou de mensuração menos exata – é computado na avaliação dos resultados. “Há as metas qualitativas, que consistem em entregar bens culturais em forma de projetos”, diz o superintendente-executivo. É nesse contexto que se insere o estofo de conhecimento sobre arte tão desejável ao perfil do profissional. Em sua opinião, é mais simples gerenciar uma instituição que visa ao lucro, pois todos andam na mesma direção. “Já em uma instituição cultural, há questões conceituais muito importantes, referentes a como esses objetivos devem ser atingidos. A discussão fica muito mais complexa e rica.”
Tal complexidade, contudo, não precisa ser destrinchada por um único estrategista, ressalva Teixeira Coelho, curador do Masp. De acordo com ele, não dá para exigir que uma mesma pessoa seja proficiente em tudo o que o amplo leque da gestão cultural exige. “Um museu pode requerer um profissional para cuidar de sua parte administrativa e outro para cuidar de sua parte técnica”, afirma.
 
Fonte: Edson Valente | Valor Econômico
 
 

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